Queria começar por agradecer à organização desta conferência por terem convidado a AMPLOS – Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género – e em particular ao Dr. Pedro Frazão pelo convite para partilhar consigo esta comunicação.
Represento aqui uma associação, muito recente, constituída por mães e pais de gays, lésbicas, bissexuais e transgéneros; ou seja mães e pais cujos filhos têm uma maior probabilidade, do que outros jovens, de serem socialmente discriminados, correndo por isso maiores riscos de entrarem em processos de depressão, baixa auto-estima, abuso de substâncias, auto–mutilação, ideação, tentativa ou mesmo concretização de suicídio.
A AMPLOS tem como principal objectivo o apoio às famílias de LGBT ajudando-as a integrar os seus filhos e apoiando-as nos momentos mais difíceis que sucedem a revelação da orientação sexual ou da identidade de género diferentes da norma, em nome da defesa dos seus Direitos Humanos mas também em nome da saúde e bem estar das famílias; minimizando o sofrimento e os seus efeitos destrutivos que ocorrem de forma mais dramática precisamente no interior das próprias famílias; mas também em meio escolar e na sociedade em geral como é bem sabido.
Da minha experiência à frente desta Associação, e do meu contacto com os cerca de 50 pais e mães que já a procuraram, posso dizer que o principal problema das famílias é o preconceito interiorizado e a desinformação que o sustenta.
Diz-se que quando os filhos saem do armário entram os pais no armário: sentem-se profundamente sós, sem interlocutores; não sabem como comunicar à família, pedem aos filhos que não o façam. Em alguns casos apenas um dos pais (normalmente a mãe) é informada sobre a situação do filho ou filha, gerando-se um clima de segredo corrosivo do ambiente familiar, difícil de suportar.
Os pais mais desinformados verbalizam sentimentos de vergonha, de repugnância, procuram bodes expiatórios normalmente acusando os amigos dos filhos, os companheiros, os namorados.
Porque “ser homossexual” não é propriamente um conceito novo nas vidas dos pais; dele tomaram conhecimento das piores formas, desde a infância ou mais ainda na adolescência; dele ouviram falar na forma de denúncia, de acusação, e de humilhação de seus concidadãos; de quem nada ou pouco sabem mas de quem se habituaram a desdenhar com a conivência e a aprovação tácita da maioria dos seus pares.
É a partir desta fusão entre a desinformação e o preconceito que se definem dois posicionamentos distintos que, por sua vez, geram reacções diversas decorrentes das histórias das famílias vividas até ao momento da revelação: dependente do seu capital cultural, social, escolar, da sua abertura à diferença, das experiências de aceitação e/ou das vivências não normativas que possam ter ou não ocorrido e permanecido na memória colectiva de cada família ou dentro da comunidade em que a família se insere.
E estes dois posicionamentos, ou leituras distintas, dos pais que se seguem à revelação de um filho (ou coming out) definem-se em geral por:
(i) – pensarem que pode ser uma escolha;
(ii) – saberem ser uma característica da pessoa;
Ou dito de outra forma: (i) pensarem ser algo passageiro e dependente da vontade do próprio; ou (ii) perceberem que têm um filho gay, lésbica ou transexual e sobretudo (e porque é aí que se jogam as suas próprias identidades) que são mães ou pais de um gay, lésbica ou transexual.
Que repercussões têm estas duas diferentes abordagens?
Se a revelação é entendida como: (i) uma escolha, e podendo corresponder a uma fase, os pais (se partirem de uma atitude convivial e de posicionamento liberal) protegem-se pensando que passará com o tempo; se forem do tipo autoritário e conservador podem, contudo, acreditar que podem alterar essa escolha. Os danos sobre a auto-estima são certamente protagonizados sobretudo pelos pais que agem do segundo modo. São estes os pais que utilizam punições como fecharem os filhos em quartos, proibi-los de sair até negarem; ou recorrem a especialistas para que os ajudem a alterar essa situação.
Se percebem que é uma identidade definitiva, a confrontação com esta nova realidade poderá exigir uma readaptação que poderá ser apenas de reconfiguração das suas idealizações mas pode ser comparável a um luto; em situações de maior preconceito e desinformação poderá corresponder ao desmoronar de todas as suas expectativas; em situações extremas poderão mesmo excluir os filhos afectiva e mesmo fisicamente da família.
Tendo falado destes dois posicionamentos dos pais, que não entendam como estáticos nem exclusivos mas que de algum modo organizam os pais que a AMPLOS tem conhecido; ou até tão só as fases em que se encontram no seu processo pós-coming out, vou em seguida referir três casos, também distintos, de jovens que procuraram a AMPLOS.
Em cada caso temos por um lado o próprio, como sujeito e a família como “o outro” e esta relação sujeito/ “outro” em diferentes fases de construção ou de resolução:
[Segue breve relato de cada caso que mesmo com nomes fictícios achámos por bem não transcrever]
1 – No primeiro caso (João, 32 anos, nome fictício) o jovem adulto ainda que preso pelo fino elo que transparece do temor do conflito, parece ter conseguido a separação necessária em relação aos pais; quer viver em verdade e está disposto a enfrentá-los quaisquer que sejam as consequências; o desprendimento emocional é grande, mas também o é o social e sobretudo o económico.
2 – No segundo caso (Diogo, 23 anos, nome fictício) o jovem no final da adolescência ainda está muito ligado à sua mãe; o sofrimento dela é em parte o seu, a ponto de negar a sua identidade num vai-vem entre ser e não-ser. Alguma independência social possibilitada pela separação geográfica ainda que não económica.
3 – No terceiro caso (Maria, 19 anos, nome fictício) a adolescente está na total dependência dos pais, sobretudo do pai que tomou conta da sua vida e diminuiu seriamente a sua auto-estima. Não tem qualquer independência mas investe na sua carreira escolar como forma de emancipação. Total dependência social, económica, emocional.
Como deverão ter reparado do caso mais sério e dependente para o mais estável e autónomo as idades foram aumentando. Apetece dizer à Maria – que tem medo de crescer – que as coisas irão melhorar com a idade; ao Diogo que tem medo de magoar a mãe que esta sobreviverá ao choque; e ao João que não quer nada com os pais a não ser a sua própria paz interior, que tornar-se adulto poderá, um dia, significar perdoar e recuperar elos perdidos.
Ficam aqui estas três histórias de jovens que pediram apoio à AMPLOS, tendo-o feito nos últimos quatro meses, e em todos os três casos com relatos de tentativas de suicídio.
Obrigada.
Margarida Faria
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