O Plesbicito
Diário de Notícias
17.01.14
Se a proposta de referendo apresentada pelos “jovens turcos” do PSD for votada hoje favoravelmente, Portugal transformar-se-á no único país europeu em que a direita prefere Rousseau a Burke. A ideia de convocar um referendo sobre dois temas que já foram objeto de uma longa ponderação parlamentar (a co-adoção por casais do mesmo sexo levou mesmo à constituição de um grupo de trabalho) mostra que a direita lusa parece preferir a dinâmica jacobina de uma “vontade geral” que tem no irrestrito “princípio da maioria numérica” a sua expressão máxima de manifestação, em vez de se manter fiel ao tesouro da República, que consiste em permitir que no espaço disciplinado e livre da discussão parlamentar os representantes do povo possam construir consensos que os conduzam a soluções que, embora não isentas de erro, possam ser suportadas pela argumentação mais sólida e esclarecida possível. A democracia representativa e a ideia de uma Constituição como expressão do contrato de destino de uma Nação, mas também como limite à volubilidade das maiorias numéricas, são o que distingue o verdadeiro poder do povo da ditadura plebiscitária das maiorias. Numa temática tão complexa e delicada como a que está em causa, lidando com direitos de minorias envoltos numa espessa carga de preconceito irracional, o Parlamento tem a obrigação de não se demitir. Ao ouvir os argumentos do proponente do referendo, num debate televisivo com a paciente deputada Isabel Moreira, percebo que ele não se sinta à altura da tarefa. Mas isso não o autoriza a projetar uma gigantesca operação de capitis diminutio (diminuição da autoridade) sobre a Assembleia da República e os seus legítimos poderes. Nas próximas eleições, se tiver paciência para esperar, será certamente aliviado do fardo pelo voto dos portugueses.
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